30 novembro 2010

Criado




tempo grávido

desencaminhado das formas.

sobra de carne.

nas varizes da perna

o desenho da caminhada.

corpo amolece músculos.

20 novembro 2010

Perto do Coração Selvagem




" É o que me sustenta contra o mundo, assim como alguém vive pelo desejo, outro pelo medo. Piedade das coisas que acontecem sem que eu saiba. Mas estou cansada, agora agudamente! Vamos chorar juntos, baixinho. Por ter sofrido e continuar tão docemente. A dor cansada  numa lágrima simplificada. Mas agora já é desejo de poesia, isso eu confesso, deus. Durmamos de mãos dadas. O mundo rola e em alguma parte há coisas que não conheço. Durmamos sobre Deus e o mistério, nave quieta e frágil flutuando sobre o mar, eis o sono." ( Clarice Lispector, trecho do livro Perto do Coração selvagem).

03 novembro 2010

Aliança


foto de Cássio Amaral


apago o risco

traçado em berço

06 outubro 2010

Moldura

Foto de Cássio Amaral
O caminho do instante já desenhado
mil saladas temperadas a óleo e sal
corto seu vermelho
e a sede aumenta

abro os braços nos dias tardios
rezo o sono do tempo
e amanheço ao som dos pardais

respiro infância
o suor caindo do balanço
tempo raro  fotografado ao sol.

27 setembro 2010

Sopro

Foto Cássio Amaral

mãos macias
relógio grita
pele enrugada

01 setembro 2010

Claro



Derrame em meus lábios a aridez desses sonhos interrompidos. Passe a treva em clara vidência que em sua pele quero amanhecer enluarada. Face nossa gotejada e queríamos apenas bolas de sabão. Lhe dizer amém ultrapassa minha imagem ainda sã. Queria eu ser vísceras em você e no ato de conceder a vida arrastasse tiras desse corpo que resta. Doce é o prazer que me prende aos trapos e lhe dizer aresta, desdém, amianto, etílio, corda, anedota, sem importar  a resposta. Vivem sementes não cultivadas, sufocadas. Respiro baixo e força e voz serão agora esse vento.

17 agosto 2010

Muralhas



As mãos, seus dedos. A couraça em febre. Foge e tece marcas de arame farpado nos pés. Descalço derrama o vinho. Pobre homem, criação pobre. Sua mãe tem marcas de milho nos joelhos que se transformaram em feridas. Alma ferida. Sina abençoada na igreja de mãos dadas com o pai.


balanço do vento
dança a cortina
em sumo silêncio

09 agosto 2010

Saudade


Foto da sala de aula. UNIUBE/Uberaba-MG

" Isto não é um lamento, é um grito de ave rapina. Irisada e intranquila. O beijo no rosto do morto." (Clarice Lispector).

De amores e aromas sustentei-me aqui. Foi difícil lhe abandonar, ainda sinto seus braços acariciando meu futuro. Querida Minas Gerais.

04 agosto 2010

Almainova

Ele disse: - não é nada é apenas um sussuro
E foi morrendo
No âmbito dos meus olhos não lhe vejo
e os cristais que encobriam a visão
se quebraram

Penso um pouco
Descanso

Me faço espessa
e a água cai sobre mim
me procura nas curvas
nos orifícios

É sábado
nada aqui

Paro mais
ouço
apenas ouço passos

01 agosto 2010

Hilda Hilst

Essa lua enlutada, esse desassossego
A convulsão de dentro, ilharga
Dentro da solidão, corpo morrendo
Tudo isso te devo. E eram tão vastas
As coisas planejadas, navios,
Muralhas de marfim, palavras largas
Consentimento sempre. E seria dezembro.
Um cavalo de jade sob as águas
Dupla transparência, fio suspenso
Todas essas coisas na ponta dos teus dedos
E tudo se desfez no pórtico do tempo
Em lívido silêncio. Umas manhãs de vidro
Vento, a alma esvaziada, um sol que não vejo

Também isso te devo.
( Hilda Hislt, Júbilo, memória, noviciado da paixão, p 37)

02 julho 2010

Foto de Cássio amaral
Versado e impuro castigou as palavras com sopro amargo. Névoa cobrindo poros, seu desejo aspirando gozos. Leveza aquem da fonte e voo livre aos pássaros mansos. Selvagem doçura que de mel lambuzou as úlceras.

24 junho 2010

D´água

De vaidade ela o convenceu a lhe amar. Dos ossos que restaram do passado uma pintura fresca disfarçou a verdade.  O espelho lhe repreendeu à força. Neste gesto tornou-se pequena, vendo das montanhas o vento acariciando o mar.

08 junho 2010

Luminária


Das aves de asas cortadas
penas curtas, alinhadas
semeia-me luz ao seu vício!

minha carne se cobre de ventos
fecundos na sua ausência

18 maio 2010

Prece

Foto de Cássio Amaral

Nesse cerrado de memórias
o dedo muda a direção das estrelas.
fino afeto.
mastigo o esboço rompendo a carne
agora viva e crua refaço a estrada.
a areia do corpo é o colorir da água - minha sede.
dos cacos às peças
o círculo é fechado.

06 maio 2010

Aquarela

Aquarela de Jefferson Lodi

Branca é a cortina da sala e grades separam dentro e fora de seus olhos. As cores acalmam o desajuste, a antena e as telhas embriagam a hemorragia. O silêncio despido de qualquer emoção permanece intacto. As Pedras encaixadas na areia dançam sua passarela matinal. Losangos e laços dependurados sobre a mesa. Mônica senta e veste-se do sol. As unhas sujas enfeitam seus dedos. Todos aguardam o funeral. Há aromas de dores e de festivais.

29 abril 2010

Derrelição

Não se importe Hilda, que dessas palavras mortas venham cortejos de açucenas no quintal. De mim livrasses a treva e de metáfase criou-se o girassol. Foi com pregos em grades de azul. O susto já se refez. "Um susto que adquiriu compreensão". Clara em peles, o rubi de seus olhos me encantou. Ontem devassa, hoje alem sua.

22 abril 2010

Hilda Hilst


Ontem ela faria 80 anos, caso estivesse entre os mortais.

              AMAVISSE
                     XIII

Extrema toco-te o rosto. De ti me vem
à ponta dos meus dedos o ouro da volúpia
e o encantado glabro das avencas. De ti me vem
a noite tingida de matizes, flutuante
de mitos de águas. Inaudita.
Extrema, toco-te a boca como quem precisa
sustentar o fogo para a própria vida.
E úmido de cio, de inocência,
é a saudade de mim que me condenas.

Extrema, inomeada, toco-me a mim.
Antes, tão memória. E tão jovem agora.
(Livro DO DESEJO, p. 54. - uma reunião de sete livros de poesia)

21 abril 2010

Michel Foucault



Gostaria de ter atrás de mim (tendo tomado a palavra há muito tempo, duplicando de antemão tudo o que vou dizer) uma voz que dissesse: " É preciso continuar, eu não posso continuar, é preciso continuar, é preciso pronunciar palavras enquanto as há, é preciso dizê-las até que elas me encontrem, até que me digam - estranho castigo, estranha falta, é preciso continuar, talvez já tenha acontecido, talvez já me tenham dito, talvez me tenham levado ao limiar de minha história, diante da porta que se abre sobre minha história, eu me surpreenderia se ela se abrisse ". ( A Ordem do Discurso).

15 abril 2010

Arrebol

Foto de Cássio Amaral

As pedras imóveis no meio das folhagens secas retratam as escolhas, nada é claro, há fumaça cinza. O ouro brilha há quilômetros de distância e agora o que eu quero é esse vento. Me encosto, seguro em seus pelos. Respiro baixo. A gaiola é espaçosa e nos dias de calor o banho me refresca. A liberdade tornou-se perigosa e suas tempestades, mortais.

21 fevereiro 2010

Gélido


Palavras cansadas,
sempre ditas,
sempre escritas.
Queria prender você letra,
e consultar-lhe à sombra.
As águas desse rio
gelam meus ossos.
E é essa analogia 
entre eu e você
 que é o meu fracasso.

19 fevereiro 2010

Lamaçal


Catar caranguejos no mangue não lhe é nada complicado. Conhece o ofício desde menino. A lama de sua vida é que é seu inimigo. É lâmina afiada cravada no peito. Vê seu filho às graças com o manguezal.

Passarela


Estrada a pé

desfila ao sol.

23 janeiro 2010

Dimensão



Foto de Cássio Amaral

Escrevo fora de mim
não sou eu nem aqui,
nem lá fora.

21 janeiro 2010

Selado


Foto de Cássio Amaral
Defeito. Da vida recolheu cinco cestos cheios de pães e de peixes. Há quem acredite em milagres. O rosto em casco não suspira mais por olhares quentes. O tempo escorre e volta a fome do pensar. Filosofia barata vendida nas esquinas. O que importa? Está ausente.

02 janeiro 2010

Seca


Enconstou-se na parede. O corpo amortecido suporta o choque. Todos querem acudi-lo: amigos e outros mais conhecidos. Num instante seu olhar despenca no abismo. E a mente anestesiada lhe embala em canções. A menina dança ainda de aromas silvestres sua poesia morta. Pura e santa, amada infanta.