29 abril 2010

Derrelição

Não se importe Hilda, que dessas palavras mortas venham cortejos de açucenas no quintal. De mim livrasses a treva e de metáfase criou-se o girassol. Foi com pregos em grades de azul. O susto já se refez. "Um susto que adquiriu compreensão". Clara em peles, o rubi de seus olhos me encantou. Ontem devassa, hoje alem sua.

22 abril 2010

Hilda Hilst


Ontem ela faria 80 anos, caso estivesse entre os mortais.

              AMAVISSE
                     XIII

Extrema toco-te o rosto. De ti me vem
à ponta dos meus dedos o ouro da volúpia
e o encantado glabro das avencas. De ti me vem
a noite tingida de matizes, flutuante
de mitos de águas. Inaudita.
Extrema, toco-te a boca como quem precisa
sustentar o fogo para a própria vida.
E úmido de cio, de inocência,
é a saudade de mim que me condenas.

Extrema, inomeada, toco-me a mim.
Antes, tão memória. E tão jovem agora.
(Livro DO DESEJO, p. 54. - uma reunião de sete livros de poesia)

21 abril 2010

Michel Foucault



Gostaria de ter atrás de mim (tendo tomado a palavra há muito tempo, duplicando de antemão tudo o que vou dizer) uma voz que dissesse: " É preciso continuar, eu não posso continuar, é preciso continuar, é preciso pronunciar palavras enquanto as há, é preciso dizê-las até que elas me encontrem, até que me digam - estranho castigo, estranha falta, é preciso continuar, talvez já tenha acontecido, talvez já me tenham dito, talvez me tenham levado ao limiar de minha história, diante da porta que se abre sobre minha história, eu me surpreenderia se ela se abrisse ". ( A Ordem do Discurso).

15 abril 2010

Arrebol

Foto de Cássio Amaral

As pedras imóveis no meio das folhagens secas retratam as escolhas, nada é claro, há fumaça cinza. O ouro brilha há quilômetros de distância e agora o que eu quero é esse vento. Me encosto, seguro em seus pelos. Respiro baixo. A gaiola é espaçosa e nos dias de calor o banho me refresca. A liberdade tornou-se perigosa e suas tempestades, mortais.